Eduardo Ramos
A equipe de Comunicação e Assistência Técnica da Polifeira acompanha, há meses, a situação dos feirantes participantes. Neste ano, as condições de calor excessivo e temperatura do solo inviabilizam os transplantes e as semeaduras de hortaliças. O agricultor André Raddatz, participante da PoliFeira, salienta que mesmo no caso de ter disponibilidade de água, fazer a irrigação em tempos de calor excessivo não exclui o risco de provocar queimaduras nas hortaliças. O maior problema reside no fato de que os reservatórios de água estão quase todos secos, sem a disponibilidade mínima de água para fornecer às plantas.
A feirante e engenheira agrônoma Eliane Medeiros, de São Martinho da Serra, participava da Polifeira do agricultor com frequência, no mínimo uma vez por semana, na Avenida Roraima. Com a estiagem, porém, a produtora perdeu todo o milho que plantou para vender. Mesmo que tenha alguns poucos produtos para comercializar, como a vagem, por exemplo, o custo do deslocamento não se justifica. Como a feira conta com agricultores de outros municípios afetados, a realidade de Eliane não é diferente das demais. Ela ainda salienta que toda hortaliça possui um ciclo; o da alface, por exemplo, dura 45 dias, o que significa que, mesmo que chova em um dia, a planta não ficará pronta para colher instantaneamente. Outra questão abordada pela agricultora é a realidade do desmatamento da mata brasileira, que é feito sem a medida das consequências e acaba por influenciar o regime de chuvas e a capacidade de acúmulo de águas superficiais.
O fato é que a feira tem dificuldades, em tempos de calor ou frio demasiados, de se manter com a mesma oferta e diversidade de alimentos de quando o clima está mais ameno. O resultado destes fatores também reflete na oferta de alimentos para o futuro. O agricultor André Raddatz, por exemplo, conta que em função dessa pouca disponibilidade de água, os citrus têm abortado as frutas pequenas, o que certamente reduzirá a quantidade de bergamotas e laranjas no período de safra.
Segundo Gustavo Pinto, coordenador da PoliFeira, mesmo que incomode e preocupe, este é o retrato do sistema alimentar de nossa região, assim como a invisibilidade que o alimento toma na realidade da maioria das pessoas. Ele completa ao afirmar que fatos como esse demonstram que políticas públicas de abastecimento são necessárias:
– As pessoas estão acostumadas a comprar somente nos pontos de venda e pouco se perguntam sobre tudo que está por trás do processo de produção até o alimento chegar a sua mesa – comenta.
A Prefeitura de Santa Maria, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Rural, tem realizado construções de açudes em propriedades rurais do interior do município. Alguns feirantes, como o caso de Ademir Negrini de Três Barras, são uns dos beneficiados.
Em uma visita à propriedade do agricultor participante da feira Jorge Fontana, a equipe da PoliFeira relatou diversos danos devido a seca severa. Os açudes secaram e as hortaliças não se desenvolveram, em alguns casos, como o do brócolis, o legume se desenvolveu mas ficou inconsumível por conta da rigidez causada pelo calor e pela falta de água. Jorge é um dos feirantes que precisou deixar sua banca temporariamente por não possuir produtos para comercializar, o produtor afirma que neste ano a seca foi tão forte que tem o impossibilitado de plantar.
Na propriedade da agricultora Cleusa Hans, diversas produções foram afetadas, entre elas estão os cachos de bananas, que hoje possuem frutos de tamanho reduzido e em menor quantidade, e as árvores de frutas cítricas que têm perdido as folhas por conta da falta de água e, também, abortado os frutos – o que, consequentemente, causa uma menor produção para os próximos meses.
Para a produtora Miraci Schu, a situação com a água está complicada, a família está sem água para irrigação das plantações e com dificuldades na obtenção de água para beber – os córregos secaram e os açudes estão com os peixes embaixo do nível da água. Assim como para Cleusa, o problema com a produção de frutas cítricas também tem afetado Miraci.
O feirante e produtor de morangos Nélio Kickhöfel, reflete que a Região Central do Rio Grande do Sul enfrenta atualmente a maior estiagem que ele se lembra dos últimos 10 anos. Segundo ele, os açudes de sua propriedade estão secando um a um:
– Com a atual temperatura aqui em nossa microrregião, o morango, que é nosso produto principal, está apenas sobrevivendo, não tem produção – salienta.
Nélio afirma acreditar que os colegas da agricultura que vendem produtos provenientes de plantas estejam na mesma situação que ele, por conta do excesso de calor e da falta de água. O agricultor trabalha há anos para ter e manter uma reserva de água em suas terras, porém, apenas isto não adianta porque as plantas não suportam as temperaturas altas.
Além dos fatores que cercam a estiagem, o frio e as chuvas fortes também afetam as plantações. Por isso, mesmo que o projeto PoliFeira do Agricultor tente ajudar os produtores com visitas técnicas para buscar alternativas para amenizar situações de perda de produção, as condições climáticas, por sua vez, não estão sob o controle dos pequenos produtores.
O projeto também se preocupa com as questões ambientais, por saber que se deixadas de lado, afetam drasticamente o clima brasileiro, como com o desmatamento e com a poluição. Por isso, instrui os produtores a pensar em sistemas de produção que protejam os recursos naturais, como as agroflorestas. Além de incentivar práticas mais sustentáveis e não tão agressivas ao meio ambiente e a saúde do ser humano, como o manejo biológico citado anteriormente.
Os agricultores familiares brasileiros são quem abastece o país, com 70% dos alimentos sendo provenientes de suas produções, fato compreendido e frequentemente comentado pelos participantes do projeto. Em vista disso, a produtora Eliane Medeiros salienta que o debate acerca do assunto, que engloba as dificuldades nas produções destas pessoas, necessita ser discutido e entendido pelos consumidores. Por isso, a realidade do pequeno agricultor precisa ser mostrada.
O projeto
A Polifeira do Agricultor é um projeto de extensão da Universidade Federal de Santa Maria que tem por finalidade trazer para debate as questões que envolvem o abastecimento e a produção de alimentos – dentro das características específicas do território da Região Central do Rio Grande do Sul. O propósito é trabalhar apenas com agricultores familiares, ao fortalecer manejos biológicos e sem a utilização de agrotóxicos em suas produções. A distribuição e a oferta de alimentos são marcadas pela condição de participação individual de cada feirante, o que pode afetar no número de bancas e produtos disponíveis na feira.
Um dos requisitos para participar da feira é que os interessados sejam agricultores familiares, oriundos de Santa Maria e Região, com produção própria, que tenham dificuldades de inclusão em mercados locais, e que se disponibilizem a produzir comidas saudáveis, assim como participar de atividades de pesquisa, ensino e extensão. O que difere a PoliFeira de outras feiras livres é o fato de que nela a produção é somente aquela que os próprios agricultores, não atravessadores, conseguem produzir e administrar, ou seja, eles não fazem intermediação de alimentos – como, por exemplo, comprar alimentos de atacadistas para revender. Até que o alimento chegue na feira, os agricultores precisam reunir as condições de conhecimento, escolher as melhores tecnologias, dispor de mão de obra e infraestrutura física e, ainda, necessitam de condições climáticas adequadas. Nos últimos três verões, o Rio Grande do Sul sofreu com estiagens severas, e isto tem colocado os feirantes em uma situação desafiadora.